quinta-feira, agosto 27, 2009

Cores



Não sei, me sinto hoje tão esquisita... Falava a mulher ao homem sentado à sua frente. É do calor, respondia ele sem paciência.
Várias dúvidas sobre o ser e o fazer criavam perguntas na cabeça daquela mulher que não obtinha respostas. O dia era quente, amornava a idéia e dava preguiça ao pensamento, a palavra embolava na boca e saía preguiçosa depois de goles no guaraná gelado.
Não sei o que fazer... dizia ela, com rosto triste. Que quer que eu diga? Podia sugerir o suicídio, você toparia? Dizia ele, com um sorriso estranho no canto da boca.
Não, acho que não, respondia ela, preguiçosa, deslizando na cadeira. A morte é recomeço, dizia ele, um recomeço em outra dimensão, alfinetava ele cruelmente. Triste, ela continuou, não quero outra vida, nem acredito nisso, me sinto estranha, angustiada, não sei o que é. Você tem tudo, o teu mal é esse, tem família, tem a mim, carro, empregadas, nada te falta, o suicídio te faria bem, ele continuava, gargalhando e se divertindo com a provocação.
Eu só queria ser diferente, tenho tido uns sonhos... são coloridos, sonho que vivo em outros lugares, converso com pessoas que não conheço e me sinto feliz, sonhei que morava num edifício, mas parecia um labirinto, onde havia vários pátios abertos e as paredes eram cor de barro e havia samambaias penduradas. Subindo as escadas encontrei com um homem que descia e que me chamou pra ajudá-lo numa vindima e aceitei, de repente me vi amassando uvas com os pés e o sumo era cor de sangue, saí dali e havia sangue nos pés, tentava limpar e aquilo ali, grudado, vermelho. Você se cortou? Perguntou ele. E ela sem reponder, continuou... continuei andando descalça e meninos grafitavam um muro incrivelmente branco e comprido e me chamaram pra grafitar, peguei na lata e quando me dei conta as cores que deviam estar na parede estavam em mim. Você não faz nada certo mesmo, nem no sonho você foi capaz de pintar uma parede, zombava ele. E continuou sem lhe dar atenção, parecia falar sozinha, olhando pro nada... eram tantas cores, eu me sentia feliz por estar colorida, continuava com os pés sujos de sangue e aquele azul, amarelo, vermelho no meu corpo era tão real, nunca me senti tão viva e feliz.
Quanta bobagem num sonho, caçoou dela.
Sem responder, ela finalmente prestou atenção ao que ele dizia e o olhou como nunca havia feito antes, pensou na vida que levava ao lado dele e no que havia se tornado nos últimos três anos, uma mulher que esperava ser a partir do outro, que não tinha filhos porque ele não queria apesar de sua insistência e planos a dois durante o namoro, aceitava um trabalho que não a realizava porque o salário era alto e tinha regalias, e pela primeira vez sentiu raiva e nojo dele, sentiu pena de si mesma por ter aceitado viver isso e não ser feliz.
Quero o divórcio, disse ela de sopetão. Como? Que bobagem! Já sei, outro sonho onde você se separava de mim, riu ele. Não, eu quero mesmo me separar de você, quero o divórcio! Como assim, do nada? Não, do nada não, quero ser feliz. E levantou saindo dali, deixando-o de boca aberta. Andou um pouco, parou, se voltou pra ele e disse:
Vou colorir a minha vida!


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